segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Visita ao Lar Dona Paula 22/01/2011

Fotos dessa postagem: Jivago Sales


Quando fiz estágio no Lar Dona Paula, no segundo semestre de 2008, sabia que aquele lugar jamais sairia das minhas recordações. O primeiro contato foi difícil e muito sofrido.

Sofrimento e dor já não eram novidades para mim, afinal eu estava no sétimo período da faculdade de enfermagem. O soco no estômago já havia sido dado na primeira antissepsia de escara, na primeira cirurgia assistida, na primeira morte testemunhada. Apesar de sofrer com a dor alheia, a essa altura eu já era capaz de suportá-la para fazer o que deveria ser feito: cuidar. 

Entretanto o que eu vira ali não eram apenas doenças, problemas de saúde, mas sim um depósito onde idosas repletas de experiência e sabedoria eram abandonadas como se fossem o lixo da sociedade. Ah, aqueles olhinhos que insistentemente pediam socorro ou que revelavam resignação para com o seu destino. Olhares perdidos, solitários e muitas vezes entorpecidos por remédios, olhares que eram como facadas atravessando meu peito. O toque e a textura das mãos que seguravam meus pulsos com força para que eu não fosse embora estavam vivos em minha mente, era como se eu tivesse levado essas mãos comigo para o meu lar. Eu sempre fui louca por idosos e ver tudo aquilo me machucou muito.

Não, eu não poderia voltar lá! Eu não conseguiria! Eu não queria! Não! Não! Não!
Preferia receber todas as faltas, perder a nota daquele estágio e depois me esforçar para recuperá-la no próximo. Queria me esconder, fugir, fingir que não conhecia aquela realidade, enfiar a cabeça debaixo do travesseiro e lá ficar até o término do estágio no asilo.

No dia seguinte acordei atrasada e me arrumei lentamente para ir ao estágio. Eu não queria ir, mas sabia que não podia faltar, seria uma pessoa a menos para ajudar nos cuidados das mais de 50 idosas e isso faria muita diferença.  Respirei fundo, rezei e fui. Havia muito o que fazer: banhos de leito, troca de fraldas, troca de curativos, ministrar medicamentos, cuidados gerais e oficinas para tentar alegrar as doces velhinhas. Fizemos o dia da música, o dia de fazer as unhas (elas são vaidosas!), dentre outras atividades. 

Enquanto os cuidados eram feitos, aproveitávamos para conversar e descobrir um pouco sobre a vida de cada uma. Muitas histórias diferentes, cada uma com a sua parcela de dor. A grande maioria teve filhos que raramente aparecem nos dias de visitas. Outras têm família, mas nenhum dos parentes pôde ou quis assumir a responsabilidade por seus cuidados. Diante da nossa revolta (não só eu, mas também meus colegas de estágio estavam indignados com algumas histórias), nossa professora nos deu uma lição que jamais vou esquecer: queridos, sabemos apenas o que elas nos contam, mas não sabemos quais motivos levaram essas pessoas a deixá-las aqui. Concordo que nada justifica tal atitude, mas muitas vezes explica. Soubemos que diversas idosas não foram as pessoas mais fáceis de se conviver e por isso foram largadas a própria sorte. Portanto, tentem não julgar nem a abandonada e nem quem a abandonou, apenas trabalhem para oferecer conforto e dignidade para todas elas.

Decidi seguir os conselhos da minha mestra e trabalhei com afinco, mesmo sabendo que ficaria por lá apenas duas semanas (a PUC faz rodízio nos locais de estágio). Aprendi muito com todas elas, não só sobre cuidado, mas sobre a vida. Algumas já não conversam, não andam, são totalmente dependentes. Com essas eu tinha carinho redobrado pois muitas vezes elas passavam os dias esquecidas em suas camas e cadeiras, só recebendo atenção na hora dos cuidados e das refeições. Outras eram vivas e conversadas, contavam inúmeras histórias; meus colegas e eu ficávamos sem saber quais eram verdadeiras ou não. Havia aquelas que sempre diziam que estavam indo embora daquele lugar (e dizem isso até hoje, é de cortar o coração!) e as que nos abençoavam e agradeciam a todo momento.  

O tempo passou, eu me formei. me casei e acabei me afastando da área da enfermagem. No fim de 2010 fui acometida por noites de insônia, repletas de pesadelos dos quais eu acordava chorando desesperadamente. Essa angústia me dominou, parecia que eu precisava fazer alguma coisa, mas eu não fazia a menor idéia do que era. Rezei, rezei, rezei muito. 

A angústia aumentou. 

Sempre me vinha a mente o mesmo pensamento: sou tão abençoada, tenho um marido que me ama incondicionalmente, uma casinha aconchegante, comida na mesa, saúde, família, amor, segurança, paz... o que fiz para merecer tudo isso enquanto há tantas pessoas necessitando de auxílio? Elas precisando dos ítens mais básicos e eu aqui, isolada no conforto de uma vida tranquila? 

Esses pensamentos tiravam meu sonho e inundavam meu travesseiro de lágrimas. Eu PRECISAVA fazer alguma coisa por alguém, mas o que e para quem? Vi uma propaganda na TV convidando a todos a adotarem provisóriamente crianças que foram retiradas dos pais devido a abusos. Elas ficam com as chamadas mães sociais até que a justiça decida seu destino. Meu coração disparou, eu queria fazer aquilo! Conversei com meu marido, pensamos no assunto por alguns dias, mas infelizmente percebemos que nossas condições financeiras ainda não nos permitiam fazer isso. Quem sabe no futuro, não é? Chorei muito, mas entendi que aquele não era o plano de Deus para mim.

Foi aí que a lembrança do asilo veio nítida em minha mente... O Thiago e eu decidimos passar a véspera de Natal com as vovós! No dia 24/12/2010 chegamos ao Lar Dona Paula às 18 horas. A irmã Florani nos recebeu e nos contou que elas não faziam ceia de Natal pois dormiam cedo e que no dia 25 haveria um almoço especial. Levamos produtos de limpeza (liguei antes e perguntei para a irmã do que elas estavam precisando) e ficamos aproximadamente 2 horas conversando com as idosas. Que delícia! Era até difícil interromper o papo, elas ficam muito sozinhas então quando aparece alguém disposto a ouví-las, a conversar, a dar atenção, elas aproveitam mesmo! Ouvimos histórias, piadas, tristezas, agradecimentos, bençãos e pedidos para retornar sempre que possível. Thiago e eu saímos de lá renovados. Percebemos que os mais beneficiados naquela visita éramos nós. E fizemos o voto de sempre voltar ao lar.

Perguntei à irmã Florani o que as idosas estavam mais precisando e ela disse que precisavam de roupas íntimas e sapatilhas tipo Moleca. Decidi me empenhar para conseguir o que foi pedido! Entretanto, ao fazer os orçamentos percebi que eu não teria condições para arcar sozinha com os ítens e eu não achava justo ir ao asilo para presentear apenas algumas vovós. Aí surgiu a idéia de criar e divulgar uma campanha para arrecadação de doações para as nossas queridas velhinhas.

Divulguei no meu site e em redes sociais e tive a grata surpresa de receber muito apoio, carinho, orações e doações para o Lar! Conseguimos a quantia necessária para a compra das 47 sapatilhas! O Thiago foi à Sapataria do Amigão da Av. Amazonas buscar todas elas, pois o Márcio, gerente da loja, conseguiu um preço super bacana e ainda doou três pares!



Fiquei extremamente tocada e agradecida pela repercussão que teve a campanha. Muitos dos meus amigos se dispuseram imediatamente a ajudar. Isso me fez refletir sobre o quão fácil é ajudar o outro e sobre como nós encontramos desculpas esfarrapadas para não fazê-lo. O que foi necessário aqui? Um telefone, um computador com acesso a internet e muita boa vontade, só! Nessa mesma semana estava passando na TV fechada o filme A Corrente do Bem. Thiago sempre me falou sobre esse filme mas eu nunca havia visto. Aproveitamos e assistimos juntos. Chorei muito e mais uma vez confirmei que para mudar a vida de alguém não são necessárias grandes atitudes ou somas de dinheiro, é preciso apenas amor, caridade.


Organizando os pares por numeração

No último sábado, dia 22/01/2011, fizemos a entrega das sapatilhas. Pudemos contar com a presença de algumas pessoas que colaboraram para as doações, são elas: Kiki, Ramiro, Elaine, Jivago Sales (que inclusive fotografou o momento), Elisa, Thiago e eu. Foi uma tarde maravilhosa, alegre, divertida e muito animada. Para os que foram a um asilo pela primeira vez, a emoção veio forte e foi impossível conter o choro. 

 Clique nas fotos para ampliar.

Precisaremos trocar 9 sapatilhas, porque apesar de a irmã Florani nos ter passado a lista com a numeração de todas as vovós, algumas já têm os pés inchadinhos e merecem o conforto de um sapatinho com o número maior. Trocarei as sapatilhas, comprarei mais 5 pares que faltaram e marcarei nova data para a entrega. Quem quiser acompanhar já está convidado!

Príncipes, princesas e as cinderelas!

Deixo aqui meus sinceros agradecimentos a TODOS que colaboraram de qualquer maneira para que as idosas recebessem os calçados. A mobilização desse grande número de pessoas mostra que isso era realmente plano de Deus e que Ele garantiu que tudo saísse perfeito. Deixo aqui algumas fotos da visita e convido a todos para ajudarem. Elas continuam precisando de roupas íntimas, produtos de higiene e limpeza, dentre outras coisas, mas principalmente de atenção e carinho. Vale a pena dedicar uma horinha da suam semana para fazer uma visita ao Lar.

O próximo passo? Rezar, rezar, rezar para novamente ouvir o propósito de Deus para a minha vida.

Que Deus nos abençoe hoje e sempre,
AMÉM!


Eram várias Cinderelas!

Um dos príncipes encantados...






Um comentário:

  1. Gatinha amei esse seu espaço... e parabéns pelas obras.. tenho certeza que a recompensa maior vc recebe a cada sorriso

    Que Deus lhe abençôe sempre

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